Justiça

Tragédia em Mariana: sistema controverso já indenizou quase 60 mil

Fundação diz que números vêm aumentando; entidades contestam
por Agencia Brasil 15/05/2022 às 08:14 Atualizado em 15/05/2022 às 08:15
Imagem: Divulgação

Desde que o sistema novel foi criado, em 2020, vem aumentando o número de indenizados pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco -- cerca de R$ 5,68 bilhões já foram destinados a 56,7 mil pessoas. Os números constam de levantamento feito pela Fundação Renova, que administra o processo de reparação dos danos causados pelo acidente. A Agência Brasil teve acesso aos dados, que estão atualizados até 31 de março.

O processo indenizatório gera controvérsias. Segundo a comissão dos atingidos da cidade de Mariana, a maioria dos que sofreram os maiores danos recusa-se a aceitar os valores oferecidos. "Para quem não teve que correr da lama, que não teve a casa ou as terras duramente afetadas, as quantias podem ser bem-vindas., mas vejo que a Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton estão usando esse sistema de indenização para divulgar números fabulosos e estimular aqueles atingidos da linha de frente a aderir. Alguns cederam e aderiram, mas é uma proposta de exclusão. Não cobre 10% do meu prejuízo", diz o produtor rural Marino D'Ângelo, integrante da comissão.

Criador de gado leiteiro, a propriedade de Marino no distrito de Paracatu estava no caminho dos rejeitos. "Entendo que todos têm direito. Em Mariana, todos são de alguma forma atingidos. A prioridade deveria ser indenizar as pessoas que tiveram a vida suja de lama. Nós, que empobrecemos, ainda vivemos uma vida que nos foi imposta. Eu hoje vivo em uma moradia provisória, e minha atividade econômica vive um retrocesso." Assim como outros atingidos pela tragédia, o produtor moveu ação individual em busca de reparação.

A barragem da Samarco rompeu-se em novembro de 2015. A estrutura, localizada no município mineiro de Mariana, liberou uma avalanche de rejeitos que alcançou o Rio Doce e escoou até a foz, causando impactos socioambientais e socioeconômicos em dezenas de municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo. Dezenove 19 pessoas morreram.

Novel é o nome dado ao sistema indenizatório simplificado estabelecido inicialmente para Naque (MG) e Baixo Guandu (ES), conforme decisão do juiz federal Mário de Paula Franco Júnior, tomada em setembro de 2020. A medida foi anunciada pela Fundação Renova como saída para destravar o pagamento das indenizações. Na época, relatórios da Ramboll, uma das consultorias externas independentes que assessoram o Ministério Público Federal (MPF), diziam que apenas um terço das famílias cadastradas em toda a bacia do Rio Doce haviam recebido alguma indenização.

Pouco a pouco, mais cidades foram incluídas em novas sentenças assinadas por Mário de Paula. Atualmente, estão abarcados 45 municípios: 36 em Minas Gerais e nove no Espírito Santo. Segundo a Fundação Renova, o sistema novel responde por 74,2% de todas as indenizações individuais pagas desde a tragédia, ocorrida há mais de seis anos.

Crítico da morosidade no processo indenizatório até 2020, o MPF também questiona a implantação do novel, apontando irregularidades no sistema simplificado e considerando alguns valores baixos. Foi movido um recurso judicial, que denunciou também o reconhecimento de comissões de atingidos ilegítimas. Com a aceitação do sistema sem contestações pela Fundação Renova, levantou-se a suspeita de lide simulada, que ocorre quando o processo é aberto após acordo prévio entre advogados de ambas as partes. Porém, o recurso não foi deferido em decisão de segunda instância.

A Fundação Renova foi criada em 2016 conforme o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado entre o governo federal, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, a Samarco e as acionistas Vale e BHP Billiton. As três mineradoras devem garantir todos os custos da reparação. A Renova é responsável pelo recebimento dos recursos e pela gestão demais de 40 programas, entre os quais o de indenização individual.

Em nota, a fundação diz que o sistema novel estabeleceu novos procedimentos que permitiram reconhecer como atingidos trabalhadores que teriam dificuldade de comprovar os danos. "O novo fluxo possibilitou a indenização de categorias muitas vezes informais, como artesãos, carroceiros, lavadeiras, pescadores de subsistência e informais, areeiros e outros. O sistema também indeniza categorias formais como pescadores profissionais, proprietários de embarcações e empresas como hotéis, pousadas e restaurantes", acrescenta o texto.

Para os trabalhadores de categorias informais, as indenizações variam de R$ 71 mil a R$ 161,3 mil. No caso dos profissionais, o valor mais alto é R$ 567,5 mil, para proprietários de embarcação camaroeira.

A atuação da Renova é criticada também pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que, em fevereiro do ano passado, moveu ação judicial pedindo a extinção da fundação por considerar que esta tem autonomia restrita, impedindo a efetiva reparação e limitando as responsabilidades das mineradoras. O processo foi posteriormente suspenso pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para decidir se a questão é de competência da Justiça estadual.

Atualmente, está em curso uma mediação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) cujo objetivo é chegar a uma repactuação do processo reparatório capaz de solucionar o passivo de 85 mil processos judiciais relacionados à tragédia em tramitação no país. A expectativa do MPF e do MPMG é de que um novo termo para a reparação seja assinado com as mineradoras estabelecendo outro modelo de governança, similar ao do acordo da tragédia em Brumadinho (MG), sem a participação de uma entidade nos moldes da Fundação Renova. Os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo também participam das tratativas. Audiências públicas têm sido realizadas para ouvir os atingidos.

Assuntos: Segurança

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