Na noite de quarta-feira, 16 de abril, o plenário da Câmara Municipal de Brusque foi palco de um debate urgente, necessário e cada vez mais presente na vida de quem trabalha: a relação entre saúde mental e ambiente de trabalho. Promovida pelo Fórum de Entidades Sindicais de Trabalhadores de Brusque e Região (Fórum Sindical), com apoio do Legislativo municipal, a audiência pública com o tema “Saúde Mental e Trabalho: Construindo Ambientes de Trabalho Saudáveis” integrou a programação do Abril Verde – mês dedicado à prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho.
O evento, que lotou o plenário, contou com a presença de lideranças sindicais, trabalhadores, autoridades e comunidade. O destaque da noite foram as palestras do médico do trabalho e professor da UFSC, Dr. Roberto Carlos Ruiz, e do graduando em Psicologia pela mesma instituição, Roberto A. Merlo Filho, que trouxeram reflexões sobre os impactos emocionais e psíquicos do ambiente laboral, com ênfase nas novas exigências legais voltadas à saúde mental.
“A pauta da saúde do trabalhador é justa, necessária e precisa ser tratada com seriedade. Lotar o plenário da Câmara mostra que os trabalhadores e o movimento sindical estão atentos e engajados nessa luta”, afirmou Izaias Otaviano, coordenador do Fórum Sindical. Ele destacou ainda a subnotificação de acidentes de trabalho, a chamada “cifra negra”, e reforçou a importância de registrar corretamente os casos, principalmente quando há afastamento. “O que não é registrado como acidente de trabalho vira auxílio-doença, e isso mascara os dados reais”, alertou.
A presidente do Sintrivest e ex-vereadora Marli Leandro também reforçou a importância do tema. “A saúde mental dos trabalhadores está se agravando. Precisamos de ações preventivas nas empresas, de ambientes saudáveis, de políticas que cuidem das pessoas. Isso é bom para todos – para o trabalhador e para o empregador”, destacou. Marli lembrou ainda que a lei que institui o Abril Verde em Brusque (Lei Municipal nº 3.943/2015) completa 10 anos em 2025, e foi fruto de um projeto de sua autoria junto com o ex-vereador José Isaias Vechi. “É uma pena que o poder público e o setor patronal ainda se ausentem desse debate”, lamentou.
Durante sua fala, o presidente da Câmara, Jean Dalmolin, ressaltou a importância do tema. “Os acidentes de trabalho fazem parte da realidade de muitos trabalhadores, e precisamos debater formas de prevenção, inclusive olhando para os impactos emocionais, que nem sempre são visíveis”, pontuou.
A vereadora Bete Eccel, que presidiu os trabalhos durante parte da sessão, contribuiu com uma fala sensível e necessária sobre o cenário atual enfrentado por trabalhadores e trabalhadoras. “Conversar sobre saúde mental no trabalho é falar de qualidade de vida. E qualidade de vida também é produtividade. Um funcionário feliz trabalha melhor, rende mais e adoece menos”, afirmou.
A vereadora também fez um alerta para a cultura local do excesso de trabalho. “Sempre nos orgulhamos do nosso povo trabalhador, mas chegou a hora de equilibrar essa conta. O trabalho nos dignifica, sim, mas ele não pode nos consumir. Precisamos cuidar de nós, da nossa saúde mental, das nossas relações. A vida é mais que produtividade. E saúde mental é um direito”.
O médico do trabalho Dr. Roberto Ruiz chamou a atenção para o aumento dos casos de assédio moral e transtornos psíquicos relacionados ao trabalho, como depressão, ansiedade e burnout. Ele destacou que a nova redação da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que trata da prevenção de riscos psicossociais, exige das empresas a implementação de planos específicos para tratar dessas questões. “Essa norma deveria entrar em vigor em maio de 2025, mas foi prorrogada para maio de 2026. Isso dá às empresas tempo para se adequarem e criarem planos reais de diagnóstico e prevenção”, explicou. Segundo ele, o momento é ideal para agir sem improviso. “É possível prevenir, dar suporte ao trabalhador e cortar o problema pela raiz”.
Outro momento marcante da audiência foi a fala do vereador Joubert Lungen, que compartilhou sua história pessoal com o tema. Ele lembrou com emoção do pai, o sindicalista Renato Lungen, que por anos presidiu o Sintricomb, e contou que também enfrentou o assédio moral no período em que atuou como servidor público. “A gente pode escolher entre sentar e reclamar ou levantar e lutar. Eu sei o que é viver isso na pele, e sei o quanto esse debate é necessário”, frisou.
A audiência pública encerrou com um chamado coletivo à ação. O Fórum Sindical segue mobilizado e já confirmou presença na plenária estadual que acontecerá no dia 28 de abril, em Florianópolis, em memória às vítimas de acidentes de trabalho.
“O debate não termina aqui. A luta por ambientes de trabalho seguros e humanos é constante. Precisamos construir essa cultura com todos: trabalhadores, sindicatos, empregadores e poder público”, reforçou o coordenador do Fórum Sindical.
As palestras
A primeira palestra foi conduzida por Roberto Aurélio Merlo Filho, graduando em Psicologia e integrante do projeto de extensão Caminhos do Trabalho, da UFSC. Ele trouxe ao público uma abordagem sensível e crítica sobre o mundo do trabalho, propondo reflexões a partir da literatura, da música e da própria vivência dos trabalhadores. Através de metáforas como o acendedor de lampião de ‘O Pequeno Príncipe’ e a poesia ‘O Operário em Construção’, de Vinícius de Moraes, Roberto destacou as mudanças nas relações laborais e seus efeitos sobre a saúde mental e a constituição subjetiva dos indivíduos. Citando também ‘Pedro Pedreiro’, de Chico Buarque, e ‘Garra’, de Marcos Valle, provocou reflexões sobre o ritmo frenético do trabalho atual, que desrespeita os limites humanos e compromete a autonomia.
Para ele, o trabalho precisa ser um espaço promotor de saúde, e não de sofrimento, destacando a importância de olharmos para os ambientes laborais que adoecem, silenciam sintomas e normalizam metas abusivas, assédio e desumanização. Roberto também apresentou dados alarmantes: em 2023, foram registrados 499.955 acidentes de trabalho no Brasil, sendo 2.888 com morte. Ele ainda ressaltou a importância do modelo biopsicossocial para entender a saúde do trabalhador, que depende das interações sociais, políticas e culturais.
Na sequência, o médico do trabalho Dr. Roberto Ruiz aprofundou o debate abordando as doenças e acidentes relacionados ao ambiente laboral, com foco especial no assédio moral. Com ampla experiência na área, ele ressaltou que o assédio moral não é uma doença do trabalhador, mas do ambiente de trabalho — uma forma de violência psicológica estrutural, muitas vezes normalizada nas relações hierárquicas e nas estratégias de gestão. Citando exemplos práticos, falou sobre condutas abusivas como humilhações públicas, isolamento, boatos, metas inalcançáveis e outras práticas que geram profundo sofrimento, podendo levar a quadros de ansiedade, depressão e até ao suicídio. “A grande prevenção está na organização do trabalho”, afirmou, defendendo cláusulas nas convenções coletivas que combatam essas práticas. Ao final, destacou a importância do papel dos sindicatos como agentes de transformação e proteção, reafirmando que lutar contra o assédio moral é também lutar por justiça social e paz nas relações de trabalho.