O Nepal viveu, entre segunda-feira (8) e terça-feira (9), uma das maiores ondas de protestos de sua história recente. A revolta, liderada pela chamada “Geração Z”, deixou 19 mortos e transformou a capital Katmandu em cenário de caos, com prédios governamentais, casas de ministros e até a Suprema Corte incendiados.
O estopim foi o bloqueio das redes sociais determinado pelo governo, mas as motivações vão além: a ostentação de políticos em contraste com a pobreza generalizada da população, a corrupção e a desigualdade social, que castiga principalmente os jovens.
Desigualdade e revolta
Segundo o Banco Mundial, os 10% mais ricos do Nepal recebem mais de três vezes a renda dos 40% mais pobres. Um em cada cinco nepaleses vive na pobreza, enquanto 22% dos jovens entre 15 e 24 anos estão desempregados. O país integra a lista da ONU dos 44 países menos desenvolvidos do mundo.
A frustração se agravou com denúncias de corrupção envolvendo políticos e a exposição do luxo ostentado por filhos de autoridades nas redes sociais. Muitos jovens, ao mesmo tempo, precisam deixar o país para trabalhar em outros locais da Ásia e no Oriente Médio, sustentando suas famílias por meio de remessas financeiras.
O papel da Geração Z
Os protestos foram articulados principalmente por jovens entre 16 e 30 anos, nativos digitais que organizaram campanhas online durante meses. Líderes como Gaurav Nepune denunciaram nas redes o contraste entre o luxo da elite e as dificuldades do povo.
Mesmo com o bloqueio do governo a plataformas como Facebook e Instagram, os manifestantes recorreram a redes alternativas, como Viber e TikTok, para mobilizar milhares de pessoas. A medida governamental, vista como tentativa de silenciar movimentos anticorrupção, foi a “gota d’água”.
Escalada da violência
Na segunda-feira (8), confrontos com a polícia resultaram em 19 mortes. O uso de gás lacrimogêneo e balas de borracha inflamou ainda mais a revolta. No dia seguinte, novos protestos condenaram a repressão e culminaram na renúncia do primeiro-ministro Khadga Prasad Oli, do Partido Comunista.
O governo recuou do bloqueio às redes e instituiu toque de recolher, mas a população ignorou a medida. Casas de ministros e ex-líderes políticos foram atacadas. A esposa do ex-primeiro-ministro Jhala Nath Khanal ficou gravemente ferida após a residência ser incendiada. Dois aeroportos e hotéis de luxo também foram danificados, e o principal aeroporto internacional de Katmandu precisou ser fechado.
Em meio ao caos, civis foram fotografados portando rifles de assalto pelas ruas da capital.
Instabilidade política
Desde a década de 1990, o Nepal enfrenta instabilidade política e econômica. A guerra civil que durou dez anos levou ao fim da monarquia em 2008, mas a democracia permanece frágil. O atual presidente, Ram Chandra Poudel, de centro-esquerda, enfrenta agora o desafio de conduzir o país após a saída de Oli.
Segundo o Índice de Democracia de 2025, o Nepal é classificado como uma democracia eleitoral, no mesmo nível de países como Brasil e Argentina.
Quem pode liderar?
O nome que desponta entre os manifestantes é Balendra Shah, de 35 anos, ex-rapper que se elegeu prefeito de Katmandu em 2022 com uma plataforma voltada para a limpeza urbana.
Após a renúncia do premiê, Shah pediu calma aos quase 784 mil seguidores no Instagram. “Querida Geração Z, a renúncia dos seus opressores na política já aconteceu! Agora, por favor, tenham paciência”, escreveu.